segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

NEVRALGIA DO TRIGÊMEO

By Alexandre Feldman

O termo NEVRALGIA define-se como dor ao longo do curso de um nervo, de curta duração (cerca de 1 segundo), lancinante, em "choque elétrico".

A distribuição do Nervo Trigêmeo compreende a linha da mandíbula (não incluindo seu ângulo), e vai para trás, até uma linha imaginária unindo os dois ouvidos. Divide-se em 3 ramos: Oftálmico (1o. ramo), Maxilar (2o.) e Mandibular (3o.). A Nevralgia do Trigêmeo é muito rara no primeiro ramo. Nestes casos, o paciente queixa-se de dor lancinante na região da testa, que pode ser provocada pelo toque. Mas, pela raridade destes casos, sugerimos que, frente a um paciente com tal quadro clínico, se considere seriamente a possibilidade da presença de alguma lesão estrutural, antes de se cogitar uma nevralgia no primeiro ramo do trigêmeo (V-1). Nesses casos, portanto, recomenda-se pesquisar diligentemente uma causa estrutural, anatômica.

Com incidência estimada em cerca de 200 casos por milhão, a Nevralgia do Trigêmeo afeta, mais comumente, o segundo e o terceiro ramos (V-2 e V-3), amiúde em combinação. Isso corresponde à região da face e mandíbula, podendo também ser sentida na língua. Tipicamente, o paciente relata conseguir auto-desencadear a dor. E, de fato, se o paciente não acusar tal característica, deve-se, novamente, considerar a possibilidade de neuropatia trigeminal secundária a algum fatgor estrutural.

Classicamente, o paciente protege sua face contra o vento frio; ele não gosta de escovar os dentes, lavar o rosto, tocar os próprios lábios, ou mesmo falar e colocar maquiagem, uma vez que todas essas atividades podem resultar no desencadeamento súbito da dor, em "choque elétrico". É interessante e estranha a observação que o quadro raramente ocorre à noite. Se o paciente foi acordado pela dor, geralmente é porque virou-se na cama e sua face foi atritada contra o travesseiro. Porém, a maioria dos doentes relata passar bem a noite.

A intensidade da dor é muito forte, lancinante mesmo. Deve-se ter cuidado ao questionar a duração da dor ao paciente, pois muitos podem responder que esta dura minutos ou mesmo horas, quando na verdade, se os interrogarmos mais cuidadosamente, haveremos de perceber que estão, na verdade, se referindo à duração de um "pacote" de "mini-séries" de dor lancinante de curtíssima duração. O que pode também ocorrer é a presença de uma dor residual, em queimação, de duração mais prolongada (horas), após uma série de "pontadas" e "choques" dolorosos ao longo do dia.

Se você estiver frente a um paciente que pela primeira vez o procura com nevralgia do trigêmeo, e cujos "choques" são tão frequentes a ponto de prejudicar a própria anamnese (pois a cada vez que ele tenta falar, recebe uma "fisgada" de dor), aqui vai um procedimento útil: anestesie a córnea homolateral desse doente com um anestésico local do tipo daqueles utilizados pelos oftalmologistas, e em 2 a 3 minutos a dor irá ceder, quase invariavelmente, por 2 a 3 horas, tempo mais que suficiente para você fazer a consulta. Qual a razão desse fenômeno? Não se sabe bem. talvez, anestesiando-se a córnea, esteja-se, em certo grau, diminuindo o tráfego dos estímulos através do nervo trigêmeo, impedindo-se, assim, o desencadeamento da dor. Obviamente, este recurso está totalmente contraindicado em todas e quaisquer outras circunstâncias que não o momento do exame, e mesmo assim, somente deve ser utilizado quando extremamente necessário.

O exame do paciente com nevralgia do trigêmeo deve ser normal. Na eventualidade de serem detectadas parestesias nas regiões de distribuição da dor, a conclusão é de que não se está lidando com nevralgia idiopática do trigêmeo, mas alguma outra patologia, como neuropatia trigeminal, ou um quadro pós traumático. De modo que, ao exame, não se deve encontrar qualquer perda ou alteração sensitiva ou motora na distribuição do quinto par. Caso contrário, certamente estaríamos defronete a uma neuropatia. Geralmente, os pacientes contam que sua dor pode desaparecer por longos períodos (o que lembra a cefaléia em salvas). Mas ela geralmente retorna, após um período variável.

O quadro é quase que invariavelmente unilateral, e caso seja bilateral, deve-se levantar forte suspeita de alguma causa central, como esclerose múltipla. Nesses casos, um exame de ressonância magnética constituiria método apropriado para investigar formação de placas na ponte.

A idade de início da afecção costuma ser a fase adulta tardia.

O diagnóstico diferencial não deve gerar dificuldades, visto que se a história for típica, a patologia é facilmente reconhecida. Mas mesmo assim, um número surpreendente de pacientes se apresenta, em nossa experiência, com história de procedimentos inúteis realizados nos seios da face, septo nasal, procedimentos oftalmológicos, odontológicos, etc. De modo que, infelizmente, costuma ocorrer um intervalo bastante longo entre o momento de início do quadro de Nevralgia do Trigêmeo, e o momento do diagnóstico dessa doença.

O tratamento da Nevralgia do Trigêmeo pode ser clínico ou cirúrgico. Deve-se começar com o tratamento clínico e, nesse âmbito, a carbamazepina (tegretol) costuma ser muito mais eficaz que qualquer outro tipo de tratamento. O problema é que a carbamazepina pode ser de difícil tolerância, particularmente em pacientes mais idosos. De modo que deve-se iniciar com doses bem baixas, para se ir aumentando progressivamente. Caso a carbamazepina não se mostre eficaz, ou não seja tolerada, deve-se recorrer ao baclofeno, ao valproato, à fenitoína ou a uma combinação desses medicamentos. Caso nenhuma dessas opções surta efeito, deve-se começar a considerar a necessidade de tratamentos cada vez mais invasivos.

Existe, por exemplo, a possibilidade de bloquear a divisão periférica do nervo trigêmeo, supraorbitalmente, infraorbitalmente, ou no nível do nervo infra-alveolar, de modo a bloquear a divisão mandibular. Este bloqueio pode ser realizado com álcool. No caso do nervo supra ou infra-orbital, o bloqueio caracteriza-se por ser muito focal, não sendo necessário mais de 0,5 ml de álcool. No caso do ramo mandibular, o bloqueio é mais regional, não tão preciso. O resultado final é que, uma vez bloqueado o ramo, o paciente passará a apresentar uma região correspondente de anestesia, a qual assim permanecera por 6 a 12 meses. Durante esse período, a grande maioria dos pacientes fica sem dor. Ao cabo desse período, no entanto, a anestesia rapidamente se esgota e a dor muitas vezes recomeça. Então, o paciente ou se submete a novo bloqueio, ou, se sua idade permitir, submete-se à cirurgia. A razão pela qual o bloqueio é feito com álcool reside exatamente na vantagem que, assim, a anestesia regional acaba depois de um tempo. Essa sensação anestésica, em alguns pacientes, pode ser altamente incômoda; sendo-lhes, desta forma, dada uma chance de experimentá-la, antes de um procedimento mais definitivo. Uma rizotomia por radiofrequência ou por glicerol resultam em anestesia por períodos muito mais prolongados, podendo-se optar por tais procedimentos uma vez que o paciente esteja a par daquilo que vai sentir (ou melhor, que não vai sentir!). Teoricamente, a injeção de glicerol destruiria as fibras menores primeiro, resultando numa perda de dor e, teoricamente, sem perda na sensação de tato. Na prática, não é bem assim. Mas de qualquer forma, é um procedimento simples. A abordagem é percutânea, assim como é a radiofrequência, através do foramen ovale, sob anestesia local e sedação leve. Ao cabo de 2 a 3 dias, o resultado geralmente é a perda da sensação dolorosa. A rizotomia por radiofrequência, embora mais invasiva, exigindo mais sedação enquanto o cirurgião "queima" o nervo, é um procedimento mais controlável, pois o cirurgião pode determinar por quanto tempo quer manter a corrente de radiofrequência. Enquanto que o glicerol, uma vez injetado, lá permanece até se dissolver no líquido cefaloraquidiano.

Quanto aos resultados, existe um índice de cerca de 85% de alívio de dor para a raddiofrequência e um pouco menos (65%) para a injeção de glicerol. Os riscos do tratamento consistem, basicamente, no desenvolvimento da chamada "anestesia dolorosa". Trata-se de uma dor na região anestesiada, e é imprevisível. Uma vez presente, é de difícil tratamento. Outros riscos são extremamente raros, quando o procedimento é realizado por pessoal tecnicamente capacitado. Existem casos raríssimos de meningite e lesão de outras estruturas. Quanto à volta do quadro doloroso, ela ocorre quase invariavelmente após um certo tempo - maior ou menor, conforme o bloqueio que foi realizado. A dor só não volta nos pacientes submetidos ao procedimento cirúrgico.

No que tange ao tratamento cirúrgico, deve-se ter em mente uma ordem de sequência para a abordagem; de periférica a central. Depende da idade do paciente. Pacientes mais jovens são candidatos à cirurgia. O problema é que trata-se de cirurgia de grande porte, de exploração da fossa posterior, não desprovida de risco. Há risco também para os nervos vizinhos - o 7o. e o 6o. par - além de outras estruturas naquela área. Perdas auditivas podem ocorrer numa pequena parcela dos casos. Por outro lado, para um paciente com menos de 50 anos, por exemplo, que teria pela frente muitos anos de dor nevrálgica trigeminal, totalmente refratária ao tratamento clínico, vale a pena proceder a descompressão vascular cirúrgica, visto tratar-se da única alternativa que pode deixá-lo sem qualquer dor pelo resto da vida, e sem sequelas do tipo anestesia regional. No caso de pacientes mais idosos, ou frente àqueles que não desejam submeter-se a procedimento cirúrgico de tal porte, deve-se começar a pensar em abordagens cada vez mais periféricas, conforme o caso.

Até hoje, quando o paciente vai à cirurgia de exploração da fossa posterior com a finalidade de descompressão vascular do nervo trigêmeo, porém durante a mesma não se localiza uma alça vascular comprimindo-o, diz-se ser a nevralgia do trigêmeo "idiopática" em termos de patogenia. Contudo, a maioria dos pacientes apresenta algum tipo de compressão do nervo trigêmeo. Por exemplo, na porção do trigêmeo entre o gânglio e a ponte, uma alça de algum vaso (geralmente um vaso cerebelar superior) está encostando no nervo. Pode tratar-se de artéria ou veia; pode ser um vaso totalmente atípico (variação anatômica); ou então um vaso normal que, com a idade, tornou-se mais rígido e tortuoso, fazendo pressão contra o nervo, causando, em consequência, uma pequena zona de desmielinização. Se o cirurgião expulsar o nervo e fizer um registro eletrofisiológico, perceberá que conforme afasta o vaso do nervo, este interrompe seus disparos. E tão logo o vaso toca o nervo novamente, este recomeça a disparar. De modo que a descompressão microvascular consiste em separar as duas estruturas em questão - vaso e nervo - e colocar entre elas uma pequena proteção de teflon ou algum outro material, de modo que os dois não possam voltar a se tocar.

O procedimento acima descrito baseia-se, portanto, na teoria da compressão vascular para explicar a nevralgia do trigêmeo. Mas, infelizmente, a patogenia pode também residir no puro e simples envelhecimento do gânglio gasseriano. A nevralgia do trigêmeo pode ser causada por esclerose múltipla. Pode ser devida à compressão do gânglio de Gasser, ou de ramos do trigêmeo, por um tumor (p. ex., meningioma). Esta é a razão pela qual todos os pacientes com nevralgia do trigêmeo devem ser, antes de mais nada, submetidos a cuidadosos e exaustivos estudos de imagem.

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