quinta-feira, 24 de março de 2011

Epilepsia

A epilepsia é um distúrbio caracterizado pela tendência a sofrer convulsões recidivantes.
Em algum momento, 1 % da população adulta tem uma convulsão. Um terço desse grupo tem convulsões recorrentes (epilepsia). Em cerca de 25 % dos adultos com epilepsia é possível conhecer a causa quando se realizam exames como um electroencefalograma (EEG), que revela uma actividade eléctrica anormal, ou uma ressonância magnética (RM), que pode revelar cicatrizes em pequenas áreas do cérebro. Em alguns casos, estes defeitos podem ser cicatrizes microscópicas como consequência de uma lesão cerebral durante o nascimento ou depois deste. Alguns tipos de perturbações convulsivas são hereditárias (como a epilepsia juvenil mioclónica). No resto das pessoas com epilepsia a doença denomina-se idiopática, isto é, não se evidencia nenhuma lesão cerebral nem se conhece a causa, sendo imputado a etiologia genética.
As pessoas com epilepsia idiopática têm, habitualmente, a sua primeira crise convulsiva entre os 2 e os 14 anos de idade. As convulsões antes dos 2 anos de idade costumam ser causadas por defeitos cerebrais, desequilíbrios no sangue ou febres elevadas. É mais provável que as convulsões que se iniciam depois dos 25 anos sejam consequência de um traumatismo cerebral, um acidente vascular cerebral ou outra doença.
As crises epilépticas podem ser desencadeadas por sons repetitivos, luzes cintilantes, videojogos ou inclusive tocando em certas partes do corpo. Mesmo um estímulo leve pode desencadear as convulsões em pessoas com epilepsia. Até nas que não sofrem de epilepsia, um estímulo muito forte pode desencadeá-la (como certos fármacos, valores baixos de oxigénio no sangue ou valores muito baixos de açúcar no sangue).
Sintomas
As convulsões epilépticas às vezes classificam-se segundo as suas características. As convulsões focais simples iniciam-se com descargas eléctricas numa área pequena do cérebro e estas descargas permanecem limitadas a essa zona. Conforme a parte afectada do cérebro, a pessoa experimenta sensações anormais, movimentos ou alucinações psíquicas. Por exemplo, se a descarga eléctrica se produz na parte do cérebro que controla os movimentos musculares do braço direito, este pode apresentar espasticidade muscular intensa e contracções. Se ocorre no mais profundo do lobo anterior (a parte do cérebro que percebe os odores), a pessoa pode sentir um odor agradável ou desagradável muito intenso. A pessoa com uma alucinação psíquica pode experimentar, por exemplo, um sentimento de déjà vu, pelo que um ambiente desconhecido lhe parece inexplicavelmente familiar.
Nas convulsões jacksonianas, os sintomas iniciam-se numa parte isolada do corpo, como a mão ou o pé, e depois ascendem pelo membro ao mesmo tempo que a actividade eléctrica se estende pelo cérebro. As convulsões focais complexas (psicomotoras) iniciam-se com um período de um ou de dois minutos durante o qual a pessoa perde contacto com o seu meio. A pessoa pode cambalear, efectuar movimentos involuntários e descoordenados dos braços e das pernas, emitir sons ininteligíveis, não entender o que os outros exprimem e pode resistir à ajuda que lhe prestem. O estado de confusão dura alguns minutos e é seguido por uma recuperação total.
As crises convulsivas (grande mal ou convulsões tónico-clónicas) iniciam-se, geralmente, com uma descarga eléctrica anormal numa pequena área do cérebro. A descarga estende-se rapidamente às partes adjacentes do cérebro e causam a disfunção de toda a área. Na epilepsia primária generalizada, as descargas anormais recaem sobre uma área ampla do cérebro e causam uma disfunção extensa desde o início. Em qualquer caso, as convulsões são a resposta do organismo às descargas anormais. Durante estas crises convulsivas a pessoa experimenta uma perda temporal de consciência, espasticidade muscular intensa e contracções em todo o corpo, rotações forçadas da cabeça para um lado, ranger de dentes (bricomania) e incontinência urinária. Depois, pode ter cefaleia, confusão temporária e fadiga extrema. Habitualmente a pessoa não se lembra do que aconteceu durante a crise.
O pequeno mal (crises de ausência) costuma iniciar-se na infância antes dos 5 anos de idade. Não se verificam convulsões nem os outros sintomas dramáticos do grande mal. Pelo contrário, a pessoa tem episódios de olhar perdido, pequenas contracções das pálpebras ou contracções dos músculos faciais que duram de 10 a 30 segundos. A pessoa está inconsciente, mas não cai ao chão, não se verifica colapso nem apresenta movimentos espásticos.
No estado epiléptico (status epilepticus), a mais grave das doenças convulsivas, as convulsões não param. O estado epiléptico é uma urgência médica porque a pessoa tem convulsões acompanhadas de contracções musculares intensas, não pode respirar adequadamente e tem descargas eléctricas extensas (difusas) no cérebro. Se não se proceder ao tratamento imediato, o coração e o cérebro podem ficar permanentemente danificados e pode ocorrer a morte.
Diagnóstico
Se uma pessoa apresentar uma perda de consciência, desenvolver espasticidade muscular com espasmos de todo o corpo, apresentar incontinência urinária ou de repente sofrer de um estado de confusão mental e de falta de concentração, pode estar afectada por uma crise convulsiva. Mas as verdadeiras convulsões são muito menos frequentes do que a maioria das pessoas supõe, porque grande parte dos episódios de inconsciência de curta duração ou de manifestações anómalas do comportamento não se deve a descargas eléctricas anormais no cérebro.
Para o médico pode ser de grande importância a versão de uma testemunha ocular do episódio, uma vez que esta poderá fazer uma descrição exacta do ocorrido, enquanto a pessoa que sofreu a crise não costuma estar em condições para o referir. É preciso conhecer as circunstâncias que rodearam o episódio: com que rapidez se iniciou, se se observaram movimentos musculares anormais, como espasmos da cabeça, do pescoço ou dos músculos da cara, mordedura da língua ou incontinência urinária, quanto tempo durou e com que rapidez o afectado conseguiu restabelecer-se. O médico necessitará igualmente de conhecer o que é que a pessoa sentiu: teve alguma premonição ou sinal de que algo de anormal lhe ia acontecer? Aconteceu algo que parecesse precipitar o episódio, como certos sons ou luzes cintilantes?
Além de tomar nota da descrição dos factos, o médico baseará o diagnóstico de perturbação convulsiva ou de epilepsia nos resultados de um electroencefalograma (EGC), que mede a actividade eléctrica do cérebro. Trata-se de uma prova que não ocasiona dor nem apresenta nenhum risco. Os eléctrodos são fixados no couro cabeludo para medir os impulsos eléctricos dentro do cérebro. Por vezes programam-se os EEG quando a pessoa permaneceu deliberadamente acordada durante um período de 18 a 24 horas, porque é mais provável que se verifiquem as descargas anormais quando se dormiu muito pouco.
O médico estuda o registo do EEG para detectar alguma evidência de descargas anormais. Embora o episódio não ocorra durante o registo do EEG, pode ser que existam essas anomalias. No entanto, devido ao facto de o EEG se realizar durante um curto período de tempo, este exame pode passar ao lado da actividade convulsiva e aparecer um registo normal, inclusive quando a pessoa é epiléptica.
Uma vez diagnosticada a epilepsia, é costume pedirem-se provas complementares para procurar uma causa com possibilidades de tratamento. As análises sistemáticas do sangue medem a concentração no sangue de açúcar, de cálcio e de sódio, determinam se a função do fígado e dos rins é normal e permitem fazer uma contagem dos glóbulos brancos, dado que um número elevado destes pode ser um indício de uma infecção. Muitas vezes, o médico solicita um electrocardiograma para verificar se a causa da perda de consciência foi consequência de uma arritmia cardíaca que tenha levado a uma irrigação sanguínea insuficiente do cérebro. Em geral, o médico também solicita uma tomografia axial computadorizada (TAC) ou uma ressonância magnética (RM) para descartar um cancro no cérebro ou outros tumores, um icto antigo (acidente vascular cerebral), pequenas cicatrizes e lesões produzidas por traumatismos. Há casos em que se requer a prática de uma punção lombar para determinar se a pessoa tem uma infecção cerebral.
Actividade cerebral durante uma crise convulsiva
Um electroencefalograma (EEG) é um registo da actividade eléctrica do cérebro. O procedimento é simples e indolor. Fixam-se cerca de 20 eléctrodos ao couro cabeludo e regista-se a actividade cerebral em condições normais. Então a pessoa é exposta a vários estímulos, como luzes brilhantes ou cintilantes, com o fim de provocar uma crise convulsiva. Durante esta, a actividade eléctrica do cérebro acelera-se, produzindo um padrão desordenado em forma de ondas. Estes registos das ondas cerebrais ajudam a identificar a epilepsia. Diferentes tipos de crises convulsivas têm diferentes padrões de ondas.
Tratamento
Se existe uma causa que possa tratar-se, como um tumor, uma infecção ou valores sanguíneos anormais de açúcar ou de sódio, antes de mais trata-se dessa situação. As convulsões em si mesmas podem não requerer tratamento uma vez que se tenha controlado o problema médico. Quando não se encontra uma causa ou então não é possível controlar nem curar completamente a perturbação, pode ser necessário administrar fármacos anticonvulsivantes, com o objectivo de prevenir o aparecimento de novas convulsões. Só o tempo poderá determinar se a pessoa terá mais convulsões. Um terço das pessoas têm convulsões recidivantes, mas o resto terá sofrido só uma única convulsão. De um modo geral, não se considera necessária a medicação nos casos de um só episódio, mas sim nos casos recidivantes.
As convulsões devem ser evitadas por várias razões. As contracções musculares rápidas e violentas acarretam um risco de feridas por pancada e inclusive podem produzir fracturas dos ossos. A perda súbita de consciência pode causar lesões graves por quedas e acidentes. A actividade eléctrica turbulenta do grande mal pode causar um certo dano no cérebro. No entanto, a maioria das pessoas com epilepsia experimenta ao longo da sua vida dúzias de convulsões sem sofrer uma lesão cerebral grave. Embora uma única convulsão não deteriore a inteligência, os episódios de convulsões recidivantes, esses sim, podem afectá-la.
O tratamento com medicamentos anticonvulsivantes pode controlar por completo as crises de grande mal em 50 % das pessoas com epilepsia e reduzir em grande medida a sua frequência em 35 % delas. Os fármacos são um pouco menos eficazes para as crises de pequeno mal. Metade das pessoas que respondem à terapia farmacológica podem com o tempo deixar o tratamento sem que se verifiquem recidivas. Nenhum medicamento controla todos os tipos de crises convulsivas. Em algumas pessoas, as convulsões podem controlar-se com um só fármaco enquanto outras necessitam de vários.
Dado que o estado epiléptico é uma urgência médica, os médicos devem administrar o mais cedo possível doses elevadas de um fármaco anticonvulsivante por via endovenosa. Durante uma crise prolongada tomam-se precauções com o objectivo de que não se produzam lesões.
Apesar dos seus inegáveis efeitos benéficos, os fármacos anticonvulsivantes podem também ter efeitos secundários. Muitos causam atordoamento, mas, paradoxalmente, nas crianças podem produzir hiperactividade. Periodicamente o médico solicita análises de sangue, com o fim de controlar se o medicamento está a afectar os rins, o fígado ou as células sanguíneas. Devem prevenir-se as pessoas que tomam fármacos anticonvulsivantes sobre os efeitos secundários possíveis e indicar-lhes que deverão consultar o seu médico ao primeiro sintoma.
A dosagem de um anticonvulsivante é de importância crucial, deve ser suficientemente elevada para prevenir as convulsões, mas não ao ponto de ocasionar efeitos secundários. O médico ajusta a dose depois de indagar sobre os efeitos secundários e de comprovar os valores do fármaco no sangue. Os anticonvulsivantes deverão ser tomados seguindo o modo de prescrição de forma rígida e não deverá utilizar-se nenhum outro fármaco ao mesmo tempo sem a autorização do médico, porque poderá alterar a quantidade do anticonvulsivante no sangue. Os doentes que tomam anticonvulsivantes deverão visitar o médico regularmente para um possível ajustamento da dose e deverão usar sempre uma pulseira de alerta médico com o diagnóstico da perturbação convulsiva e o nome do medicamento utilizado.
Os doentes com epilepsia têm, geralmente, um aspecto e um comportamento normal entre as crises e podem levar também uma vida normal. No entanto, terão de adaptar alguns dos seus costumes e padrões de comportamento. Por exemplo, as bebidas alcoólicas são contra-indicadas em pessoas com predisposição para convulsões. Além disso, a legislação de alguns países proíbe a condução de veículos às pessoas com epilepsia até não terem apresentado qualquer convulsão pelo menos durante um ano.
Deverá ensinar-se a um familiar ou a um amigo a forma de realizar os cuidados de urgência no caso de uma crise convulsiva. Embora algumas pessoas pensem que se deve proteger a língua do afectado, esses esforços podem provocar mais mal do que bem. Os dentes podem estar afectados ou a pessoa pode morder em quem o ajuda, sem dar-se conta disso devido à intensa contracção do músculo da mandíbula. Os passos importantes a seguir são: proteger a pessoa de uma queda, aliviar a roupa do pescoço e colocar uma almofada por debaixo da cabeça. A pessoa em estado de inconsciência deve ser colocada de costas para facilitar a respiração. Nunca se deverá deixar só uma pessoa que tenha tido uma perturbação convulsiva até que esta desperte completamente e possa mexer-se com normalidade. É prudente dar conta do ocorrido ao médico de família.
Em 10 % a 20 % das pessoas com epilepsia, os fármacos anticonvulsivantes só por si não poderão prevenir as recidivas das crises. Se se conseguir identificar como causadora da perturbação uma área concreta do cérebro e esta for pequena, o problema pode resolver-se após a ablação cirúrgica do foco epiléptico. Nas pessoas com vários focos convulsivos ou nas que têm convulsões que se estendem rapidamente a todo o cérebro, pode ser eficaz a ressecção cirúrgica das fibras nervosas que ligam os dois lados do cérebro (corpo caloso). A cirurgia sobre o cérebro só é considerada no caso de os tratamentos farmacológicos não serem eficazes ou se os seus efeitos secundários não puderem ser aceites.

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